- Quero informações.
- E para que mais as pessoas procuram videntes?
Estávamos numa tenda feita de cortinas e tecidos que variavam entre o vermelho, vinho e púrpura. O interior tinha uma iluminação fraca de velas, apenas o suficiente para se enxergar. Na mesa, uma adaga, um baralho, pedras, conchas e uma esfera de cristal. O aroma de incensos doces dava um clima especial para adivinhações, típico de farsantes. Rosa era a vidente que haviam me recomendado - diziam que era uma excelente guia espiritual e que muitos nobres se consultavam com ela às escondidas.
- E então, o que deseja saber? – ela perguntou.
- Desejo que você se prove uma adivinha legítima, antes de mais nada.
Rosa sorriu com seus lábios estreitos e finos, quase sempre em um bico natural. Ajeitou o cabelo negro, pôs o véu roxo transparente um pouco para o lado, para não tampar a visão e esticou suas mãos magras em cima da mesa.
- Deixe-me ler suas palmas.
Sem alterar minha expressão, tirei minhas manoplas e estendi meus braços. Ela me estudou como uma acadêmica, mudando de expressão como quem via muita lógica no que fazia.
- Sente falta do seu pai, não é? – ela me encarou com seus olhos negros, certa de sua pergunta, sorrindo com um canto dos lábios.
- Eu não conheci meu pai.
- Sim, mas amou um homem como se fosse o tal e está sentindo falta dele.
Não respondi.
- De acordo com a sua mão, neste exato momento da sua vida, você está buscando aceitar algo relacionado a ele. O que é? Acha que o decepcionou? Ele te pediu algo antes de morrer? Deixou algo inacabado que você queira finalizar?
- Ele foi assassinado, quero vingá-lo.
- Ah! Faz todo sentido – ela riu, entretida. - Você sabe que o seu irmão vai acabar se envolvendo na sua jornada, mas que ela é sua, não é?
- Eu não tenho irmão.
- Mas gosta de alguém como um.
Apertei meus olhos, encarando-a.
- Você não me convenceu.
Ela se recostou em sua cadeira.
- Se eu falar apenas a verdade, você não vai acreditar ou vai acreditar demais e fará alguma besteira. Sua mão diz o seu caminho, mas ele é seu e só seu. Você vai perguntar para onde deve seguir, mas ninguém vai saber responder. Está parado num ponto, pode seguir para qualquer direção e cabe somente a você criar a trilha certa. Pelo o que eu vejo, ninguém nunca trilhou o caminho que sua mão indica.
Eu comecei a perder a paciência.
- Quero saber onde se encontra o assassino de meu mestre para matá-lo.
- Sim, ir atrás de um homem e assassiná-lo, exatamente como a sua futura vítima fez.
- Não me compare a ele! – eu quase gritei.
- Não estou comparando, estou te dizendo o que eu li.
- Você não adivinhou nada! Apenas deduziu! – berrei.
- Você está pensando que está falando com quem? Com alguma meretriz? – ela respondeu demonstrando uma autoridade digna e surpreendente.
Rangi os dentes querendo responder, mas ela tinha razão.
- Seu mestre lhe ensinou a gritar com mulheres também?
- Não. Me desculpe, não tive a intenção – falei, murchando os ombros e esfregando o rosto com as mãos, exausto.
A expressão de Rosa se desfez em preocupação, como se estivesse triste por ver um amigo em decadência.
- Você não pode ficar obcecado ou jogará fora os ensinamentos do seu pai e se tornará um assassino, como o homem que o matou – suas sobrancelhas se arquearam e o canto da sua bochecha se contraiu.
- Apenas me diga onde ele está, eu cuido do resto.
Ela deixou o ar escapar, como quem vê algo incorrigível.
- Você vai encontrar o assassino quando estiver pronto para vencê-lo. Se tentar encurtar o percurso, o pior acontecerá.
- Então, para onde devo ir?
Ela me encarou, mantendo a expressão de preocupação. Pegou um baralho, misturou as cartas e depositou o bolo em cima da mesa.
- Corta.
- O que?
- Corta.
- Como assim?
- As cartas.
- Cortá-las?
- É.
- Com a minha espada?
- Não! Divida o bolo em dois!
- Bolo?
- Você está zombando? Pega o bolo de cartas e dividi em dois, só isso.
- Ah, tá.
Fiz.
Ela tirou um punhado de cartas do topo dos dois bolos que se formaram, fez um leque e me ofereceu.
- Tire três.
Sem entender aquilo, retirei uma de cada ponta e uma do centro do leque. Em seguida, ela retirou uma carta do topo e uma do fundo de cada bolo, recolheu o baralho, depositou as quatro retiradas em cima da mesa, junto das outras três, e fez uma careta de decepção.
- O que diz? – apressei.
- Que não devo te dizer a verdade.
Nos encaramos.
- Use a sua bola de cristal.
- Essa bola de vidro não serve para nada, só uso para enganar quem pede o amor em três dias ou coisas do gênero.
Fiz um muxoxo, impaciente.
- Então, eu estou perdendo o meu tempo?
- Me desculpe, qual é o seu nome?
- Draco.
- Olha, Draco, eu quero te ajudar, de verdade, mas meus poderes são limitados, entenda isso. O que você sabe sobre o assassino?
- Ele desenhou uma estrela de sete pontas com o sangue de meu mestre na parede do templo.
- Tá, um septagrama. As cartas me deram uma pista e mandaram eu não revelar, mas eu vou desobedecer sob uma condição.
Franzi o cenho.
- Qual?
- Eu vou te dar a pista, você vai até ela e depois volta a mim.
- Por que voltar?
- Porque até lá, eu vou tentar descobrir mais sobre o assassino e poderei te ajudar de uma forma melhor – ela falou como se fosse um desabafo que não queria revelar.
- Por que se interessa tanto?
Ela piscou e contraiu o canto da boca novamente.
- Olhe essas duas cartas.
Numa, um cavaleiro de armadura branca em cima de um corcel, com uma espada e uma capa, numa planície com um sol brilhando ao fundo. Na outra, um cavaleiro de armadura negra com chifres, empunhando uma espada com um sol negro e um céu vermelho ao fundo. As duas eram até parecidas, na verdade.
- Está vendo? É o Herói e o Vilão. Draco, olhando para você e lendo a sua mão, eu vejo um herói, mas as cartas dizem que você é os dois.
- É impossível ser ambos.
- Lembra que eu falei que o seu caminho nunca foi trilhado? As cartas podem parecer confusas agora, mas algo inédito pode acontecer com você. Pode e vai, as cartas dizem isso.
Aquilo não parecia fazer sentido, mas Rosa falava com convicção.
- Essas duas são a Queda e a Ascensão. As duas podem acontecer. Meu medo é que o herói que está na minha frente caia e que outra coisa surja.
- Rosa, eu não sou um herói. Eu sou apenas um guerreiro que quer honrar o mestre.
Ela concordou com a cabeça, sem forças ou vontade de discutir mais. Talvez, não quisesse revelar mais do que já havia sido revelado.
- Promete que vai voltar?
Pensei por um instante. Pensei sobre tudo que ouvira. Sobre caminho nunca trilhado. O assassino. Meu mestre. Herói. Vilão. Queda. Ascensão. Sobre mim mesmo. Eu precisava das informações. Eu precisava honrar meu mestre. Percebi que só havia uma coisa a se fazer e, então, eu respondi:
- Não.
Seus lábios se descolaram e um pequeno risco se abriu em sua boca miúda.
- Não posso te prometer isto, Rosa.
Ela balançou a cabeça negativamente.
- O que fará, então?
- Se a resposta está em mim, irei encontrá-la. Ouvi falar de um monge que prega o autoconhecimento, verei o que ele tem para me ensinar.
- É uma boa idéia. Pena que eu não possa te ajudar mais.
- Não se preocupe com isso.
- Boa sorte.
- Não me deseje sorte, ela é escorregadia. Deseje-me força ou sucesso.
- Não sou adepta da força, mas lhe desejo sucesso.
- Obrigado.
Levantei-me e andei em direção à saída.
- Ei!
- O que foi?
- São cinqüenta peças de ouro pelo serviço – ela me lembrou, estendendo a mão.
- Desculpe, havia esquecido.
- Sei, sei. Volte sempre, Draco. E não se torne um vilão.
- Não me tornarei – eu disse.
Mas pensei “apenas se for necessário”.
- E para que mais as pessoas procuram videntes?
Estávamos numa tenda feita de cortinas e tecidos que variavam entre o vermelho, vinho e púrpura. O interior tinha uma iluminação fraca de velas, apenas o suficiente para se enxergar. Na mesa, uma adaga, um baralho, pedras, conchas e uma esfera de cristal. O aroma de incensos doces dava um clima especial para adivinhações, típico de farsantes. Rosa era a vidente que haviam me recomendado - diziam que era uma excelente guia espiritual e que muitos nobres se consultavam com ela às escondidas.
- E então, o que deseja saber? – ela perguntou.
- Desejo que você se prove uma adivinha legítima, antes de mais nada.
Rosa sorriu com seus lábios estreitos e finos, quase sempre em um bico natural. Ajeitou o cabelo negro, pôs o véu roxo transparente um pouco para o lado, para não tampar a visão e esticou suas mãos magras em cima da mesa.
- Deixe-me ler suas palmas.
Sem alterar minha expressão, tirei minhas manoplas e estendi meus braços. Ela me estudou como uma acadêmica, mudando de expressão como quem via muita lógica no que fazia.
- Sente falta do seu pai, não é? – ela me encarou com seus olhos negros, certa de sua pergunta, sorrindo com um canto dos lábios.
- Eu não conheci meu pai.
- Sim, mas amou um homem como se fosse o tal e está sentindo falta dele.
Não respondi.
- De acordo com a sua mão, neste exato momento da sua vida, você está buscando aceitar algo relacionado a ele. O que é? Acha que o decepcionou? Ele te pediu algo antes de morrer? Deixou algo inacabado que você queira finalizar?
- Ele foi assassinado, quero vingá-lo.
- Ah! Faz todo sentido – ela riu, entretida. - Você sabe que o seu irmão vai acabar se envolvendo na sua jornada, mas que ela é sua, não é?
- Eu não tenho irmão.
- Mas gosta de alguém como um.
Apertei meus olhos, encarando-a.
- Você não me convenceu.
Ela se recostou em sua cadeira.
- Se eu falar apenas a verdade, você não vai acreditar ou vai acreditar demais e fará alguma besteira. Sua mão diz o seu caminho, mas ele é seu e só seu. Você vai perguntar para onde deve seguir, mas ninguém vai saber responder. Está parado num ponto, pode seguir para qualquer direção e cabe somente a você criar a trilha certa. Pelo o que eu vejo, ninguém nunca trilhou o caminho que sua mão indica.
Eu comecei a perder a paciência.
- Quero saber onde se encontra o assassino de meu mestre para matá-lo.
- Sim, ir atrás de um homem e assassiná-lo, exatamente como a sua futura vítima fez.
- Não me compare a ele! – eu quase gritei.
- Não estou comparando, estou te dizendo o que eu li.
- Você não adivinhou nada! Apenas deduziu! – berrei.
- Você está pensando que está falando com quem? Com alguma meretriz? – ela respondeu demonstrando uma autoridade digna e surpreendente.
Rangi os dentes querendo responder, mas ela tinha razão.
- Seu mestre lhe ensinou a gritar com mulheres também?
- Não. Me desculpe, não tive a intenção – falei, murchando os ombros e esfregando o rosto com as mãos, exausto.
A expressão de Rosa se desfez em preocupação, como se estivesse triste por ver um amigo em decadência.
- Você não pode ficar obcecado ou jogará fora os ensinamentos do seu pai e se tornará um assassino, como o homem que o matou – suas sobrancelhas se arquearam e o canto da sua bochecha se contraiu.
- Apenas me diga onde ele está, eu cuido do resto.
Ela deixou o ar escapar, como quem vê algo incorrigível.
- Você vai encontrar o assassino quando estiver pronto para vencê-lo. Se tentar encurtar o percurso, o pior acontecerá.
- Então, para onde devo ir?
Ela me encarou, mantendo a expressão de preocupação. Pegou um baralho, misturou as cartas e depositou o bolo em cima da mesa.
- Corta.
- O que?
- Corta.
- Como assim?
- As cartas.
- Cortá-las?
- É.
- Com a minha espada?
- Não! Divida o bolo em dois!
- Bolo?
- Você está zombando? Pega o bolo de cartas e dividi em dois, só isso.
- Ah, tá.
Fiz.
Ela tirou um punhado de cartas do topo dos dois bolos que se formaram, fez um leque e me ofereceu.
- Tire três.
Sem entender aquilo, retirei uma de cada ponta e uma do centro do leque. Em seguida, ela retirou uma carta do topo e uma do fundo de cada bolo, recolheu o baralho, depositou as quatro retiradas em cima da mesa, junto das outras três, e fez uma careta de decepção.
- O que diz? – apressei.
- Que não devo te dizer a verdade.
Nos encaramos.
- Use a sua bola de cristal.
- Essa bola de vidro não serve para nada, só uso para enganar quem pede o amor em três dias ou coisas do gênero.
Fiz um muxoxo, impaciente.
- Então, eu estou perdendo o meu tempo?
- Me desculpe, qual é o seu nome?
- Draco.
- Olha, Draco, eu quero te ajudar, de verdade, mas meus poderes são limitados, entenda isso. O que você sabe sobre o assassino?
- Ele desenhou uma estrela de sete pontas com o sangue de meu mestre na parede do templo.
- Tá, um septagrama. As cartas me deram uma pista e mandaram eu não revelar, mas eu vou desobedecer sob uma condição.
Franzi o cenho.
- Qual?
- Eu vou te dar a pista, você vai até ela e depois volta a mim.
- Por que voltar?
- Porque até lá, eu vou tentar descobrir mais sobre o assassino e poderei te ajudar de uma forma melhor – ela falou como se fosse um desabafo que não queria revelar.
- Por que se interessa tanto?
Ela piscou e contraiu o canto da boca novamente.
- Olhe essas duas cartas.
Numa, um cavaleiro de armadura branca em cima de um corcel, com uma espada e uma capa, numa planície com um sol brilhando ao fundo. Na outra, um cavaleiro de armadura negra com chifres, empunhando uma espada com um sol negro e um céu vermelho ao fundo. As duas eram até parecidas, na verdade.
- Está vendo? É o Herói e o Vilão. Draco, olhando para você e lendo a sua mão, eu vejo um herói, mas as cartas dizem que você é os dois.
- É impossível ser ambos.
- Lembra que eu falei que o seu caminho nunca foi trilhado? As cartas podem parecer confusas agora, mas algo inédito pode acontecer com você. Pode e vai, as cartas dizem isso.
Aquilo não parecia fazer sentido, mas Rosa falava com convicção.
- Essas duas são a Queda e a Ascensão. As duas podem acontecer. Meu medo é que o herói que está na minha frente caia e que outra coisa surja.
- Rosa, eu não sou um herói. Eu sou apenas um guerreiro que quer honrar o mestre.
Ela concordou com a cabeça, sem forças ou vontade de discutir mais. Talvez, não quisesse revelar mais do que já havia sido revelado.
- Promete que vai voltar?
Pensei por um instante. Pensei sobre tudo que ouvira. Sobre caminho nunca trilhado. O assassino. Meu mestre. Herói. Vilão. Queda. Ascensão. Sobre mim mesmo. Eu precisava das informações. Eu precisava honrar meu mestre. Percebi que só havia uma coisa a se fazer e, então, eu respondi:
- Não.
Seus lábios se descolaram e um pequeno risco se abriu em sua boca miúda.
- Não posso te prometer isto, Rosa.
Ela balançou a cabeça negativamente.
- O que fará, então?
- Se a resposta está em mim, irei encontrá-la. Ouvi falar de um monge que prega o autoconhecimento, verei o que ele tem para me ensinar.
- É uma boa idéia. Pena que eu não possa te ajudar mais.
- Não se preocupe com isso.
- Boa sorte.
- Não me deseje sorte, ela é escorregadia. Deseje-me força ou sucesso.
- Não sou adepta da força, mas lhe desejo sucesso.
- Obrigado.
Levantei-me e andei em direção à saída.
- Ei!
- O que foi?
- São cinqüenta peças de ouro pelo serviço – ela me lembrou, estendendo a mão.
- Desculpe, havia esquecido.
- Sei, sei. Volte sempre, Draco. E não se torne um vilão.
- Não me tornarei – eu disse.
Mas pensei “apenas se for necessário”.